sexta-feira, abril 29, 2011

Pau pra toda Obra

Existem pelo menos duas maneiras de se fazer obra pública nesse mundo! A reforma do Teatro Bolshoi, por exemplo, está quase pronta em Moscou após 6 anos de uma roubalheira estimada pelos russos em US$ 660 milhões. Em compensação, a linha do trem-bala japonês entre Tóquio e Sendai foi inteiramente recuperada e devolvida ao tráfego na segunda-feira passada, 45 dias após os graves estragos provocados ao longo dos 200 km da ferrovia pelo terremoto seguido de tsunami de 11 de março. Já o estádio do Corinthians previsto para sediar a abertura da Copa do Mundo de 2014, em Itaquera, segue firme na fase do bate-boca entre autoridades sobre o que ainda não foi feito, ou seja, tudo. Isso quer dizer o seguinte: o Brasil pode estar inaugurando uma nova era em matéria de grandes empreendimentos governamentais. O “não rouba nem faz” já é filosofia corrente na atual gestão da coisa pública, taí o projeto do trem-bala Rio-São Paulo-Campinas que não me deixa mentir. Não é nada, não é nada, talvez seja mais barato não fazer o Itaquerão do que demolir o Maracanã aos poucos, né não?

segunda-feira, abril 25, 2011

A apatia é grande e a crise é geral

Em 2007, antes da crise econômica global, a dívida dos países ricos era de US$ 26 trilhões, e correspondia a 47% do PIB global. Apenas três anos depois, EUA, Europa e Japão passaram  a dever US$ 42 trilhões, 61% do PIB mundial. Os dados estão numa matéria publicada hoje no Estadão e reafirmam a evidência de que é a economia do chamado mundo desenvolvido a responsável pela ameaça inflacionária mundial. Aliás, a relação entre a dívida dos EUA e seu PIB era de  62% do PIB em 2007, vai a  99% em 2011 e  chegará  a 112% em 2016. E isso acontece porque a política  seguida pelos bancos centrais, vem sendo a de adotar uma maneira ultra-agressiva para tentar reativar a economia e diminuir o desemprego: expandem a circulação de suas moedas, que têm liquidez em todo o mundo.  Essa liquidez  está  gerando grandes fluxos de capital e aumentando o preço das commodities mundo afora. E, claro, estes aumentos de preço se refletem na expansão do crédito e nos preços das mercadorias. Como você pode ver no gráfico acima, só ao final da 2ª Guerra o endividamento americano expandiu-se da forma que ocorre hoje. Mas as rezões e circunstâncias eram outras, totalmente diferentes. O plano Marshall reconstruía a Europa em bases modernas, com elevação dos níveis tecnológicos e de bem-estar social, e economicamente vinculadas à hegemonia america, o fluxo mundial de capitais era muito mais industrial que financeiro, o dólar era entesourado fisicamente como reserva de valor, enfim, os efeitos inflacionários eram menores. Os EUA continuam tendo o privilégio de emitir moeda mundial, mas com muito menos liberdade. Certo que não se vislumbra nenhum efeito de fuga de capitais, até porque, paradoxalmente, uma ruptura na capacidade americana de financiar sua dívida criaria reflexos tão negativos no mundo que o próprio dólar se elevaria, pelo poder que representa. A hegemonia econômica americana é um sistema autofágico. Como acontece com os impérios em seu declínio, é seu o veneno produzido por seu próprio gigantismo que acaba por derrubá-los, não os seus adversários.

O Plano Antimiséria de Dilma

Como o governo planeja tirar 15 milhões de brasileiros da pobreza extrema adotando um pacote de investimentos sociais e programas de capacitação para o trabalho.


quarta-feira, abril 20, 2011

É mais fácil o PT conquistar a classe média


Dilma Rousseff enganou todos nós. Achávamos que era um poste, uma marionete do presidente Lula. Uma pessoa incapaz de se segurar sozinha no cargo. E, de repente, decorridos pouco mais de 100 dias de governo, cai a nossa ficha. Com 73% de popularidade, que devem ter ido a quase 100% depois das lágrimas públicas pelos “brasileirinhos do Realengo", descobrimos que ela não desembarcou no Palácio do Planalto a passeio. A cada dia que passa, fica mais claro que Dilma é um projeto político de oito anos. E, se Lula quiser voltar depois, serão os tais “20 anos de poder”, com os quais sonhava Sérgio Motta. Essa reflexão deve ter sido feita por FHC. Só isso explica seu manifesto pela refundação do PSDB, em que pregou um ativismo maior das oposições e a busca de uma nova base social. Não o “povão”, que teria sido cooptado pelo PT, mas sim a nova classe média, que hoje compra apartamentos em 30 anos, adquire eletrodomésticos a prazo e viaja para o Exterior. Lamento, FHC. É mais fácil Dilma conquistar a velha classe média do que o PSDB atrair a nova. Primeiro, porque ela tem demonstrado uma compostura ímpar no cargo, com muito mais respeito às instituições democráticas do que seu antecessor. Segundo, porque tem visão estratégica. Ela entendeu que os tablets podem provocar uma verdadeira revolução do conhecimento no País e volta da China trazendo uma fábrica de iPads na mala, além disso, pretende pressionar as operadoras telefônicas a oferecer banda larga de verdade no País. Terceiro, porque deixou claro que o Brasil de hoje tem chefe. Com Dilma, candidatos a eminências pardas e a “superministros” não terão vida longa. Os oposicionistas que têm mandato já perceberam que não adianta remar contra a correnteza. Dois governadores tucanos, o paulista Geraldo Alckmin e o mineiro Antônio Anastasia, já frequentam a copa e a cozinha do Palácio do Planalto. O PSD, do prefeito Gilberto Kassab, também não fará oposição a Dilma. E o senador Aécio Neves, pelo primeiro discurso que fez na tribuna, também deixou claro que não tem vocação para esse papel. O que restou? José Serra, escrevendo artigos num jornal, e FHC, criando um blog, além de experiências de laboratório com subcelebridades sendo urdidas nos bastidores. Num país que cresce 5% ao ano e que pode retirar milhões da pobreza nos próximos anos, seria mais inteligente bater à porta do Palácio e, de forma humilde, pedir uma conversa. Em vez de se afastar de Dilma, o PSDB faria melhor se buscasse um caminho de entendimento e cooperação.

Toda Mídia

Na manchete do "New York Times", "Governo defende esforço sobre dívida depois de alerta sobre crédito", com declarações de Obama e do secretário do Tesouro, Timothy Geithner, que "tentaram reassegurar investidores". O "NYT" anota que a chancelaria chinesa "afirmou em comunicado que os EUA precisam tomar medidas responsáveis para proteger os investidores de seu débito".
Também manchete no "FT", "Obama contra-ataca ação da Standard & Poor's" e afirma que acordo com o Congresso está próximo. O "FT" destacou, logo abaixo, "China sinaliza mal-estar depois de alerta".
E na manchete do "China Daily", "China urge EUA a proteger os interesses dos investidores de seu débito". Maior credor, o país tem US$ 1,15 trilhão em títulos do Tesouro.

No "Wall Street Journal", "Papel do yuan no comércio chinês cresce rapidamente" e chega a 7%, contra 0,5% um ano atrás. Foi usado em negócios com Brasil e Rússia, estimulado para contratos em Hong Kong e liberado para títulos de multinacionais. E o "FT" postou que "Cingapura quer entrar no esperado boom da moeda chinesa".
"Financial Times" postou que "emprego traz temor de inflação", ouvindo da Tendências que "é sinal de que a economia está aquecendo", daí apostar em alta de 0,5% na SELIC. Também a "Forbes" informa que, para Tony Volpon, da Nomura, "reduzir o ritmo do aperto seria a atitude errada para o Banco Central". Ele "sugere que não torce por 0,5%".

Adoradores do Caos



Cápsula da Cultura

terça-feira, abril 19, 2011

O Nosso Brasil

Uma matéria publicada na agência  Reuters dá idéia do que vinha sendo o avanço de grupos econômicos estrangeiros sobre terras brasileiras. Desde agosto, quando o Presidente Lula assinou o parecer da AGU que restringe e regulariza a compra de propriedades no Brasil por pessoas físicas estrangeiras e por empresas que usam cidadãos brasileiros como “laranjas” para a aquisição de propriedades agrárias, deixaram de ser comprados o equivalente a US$ 15 bilhões em terras  por investidores estrangeiros. A Sociedade Rural Brasileira, representando grandes agricultores, apresentaram os resultados de um estudo sobre os efeitos da alteração da legislação, concluindo que ela poderia contribuir para um aumento nos preços globais de alimentos.”Criar restrições para que estrangeiros comprem terras implica uma redução da expansão agrícola do Brasil nos próximos anos”. Balela. O investimento estrangeiro no setor rural pode e deve continuar, mas sem excluir os brasileiros nem deixando empresas estrangeiras  se apropriarem de enormes extensões do nosso território. Os chineses, que preferem fazer bons negócios a ficar fazendo lobby, mudaram de tática e estão investindo pesado na agricultura brasileira através de acordos com nossos produtores. Mas essa turma aí não quer negócios produtivos. Querem passar tudo nos cobres,  até o pedaço mais simbólico de um país: seu chão. Têm a “filosofia agnelliana” de vender tudo, rápido, antes que o Brasil acabe. Porque, se deixarmos, eles acabam mesmo com o Brasil.

Nova Economia

Risco Brasil fica mais perto do risco EUA. Nunca a diferença de risco entre os países foi tão pequena; melhora brasileira nos últimos anos e piora da situação fiscal americana explicam fenômeno. O risco do Brasil percebido pelos investidores globais nunca foi tão baixo se comparado ao dos Estados Unidos, considerado referência em segurança financeira. Na semana passada, a diferença entre as medidas de risco dos dois países alcançou o menor nível da história: 0,60 ponto porcentual. Esses números foram extraídos das negociações com um derivativo financeiro amplamente negociado no mercado, chamado CDS (Credit Default Swap). Esse papel é um tipo de seguro vendido a investidores que querem se proteger de um eventual calote. Se alguém quer comprar títulos públicos brasileiros e, ao mesmo tempo, se proteger, utiliza o CDS. Ontem, pagava 1,1% ao ano em dólar para este fim. Para se proteger de eventual problema nos EUA, a taxa estava em 0,48% ao ano. O mercado de CDS movimenta trilhões de dólares mundo afora e o do Brasil é um dos mais negociados. O que ocorre hoje é fruto de três movimentos. "De um lado, espelha a melhora da percepção de solvência do Brasil. De outro, é fruto da enorme liquidez global", explica o economista Dany Rappaport, sócio da InvestPort. "Ou seja, em relação especificamente ao Brasil, há uma razão estrutural e outra conjuntural, que catalisa a estrutural."

segunda-feira, abril 18, 2011

A Petrobras é mais lucrativa que a Microsoft

A turma da mídia e do PSDB, que gosta de acusar a Petrobras de ser uma empresa “jurássica”, deve estar botando a viola no saco. Pesquisa da consultoria Economática mostrou que a brasileira é a segunda mais lucrativa das Américas, só perdendo para a americana Exxon Mobil , a estatal brasileira registrou lucro de US$ 21,12 bilhões no ano passado, contra US$ 30,46 bilhões da multi americana. A nossa Petrobras ficou à frente da gigante Microsoft, a terceira empresa mais lucrativa, com lucro acumulado de US$ 20,56 bilhões em 2010. Entre as 20 empresas mais lucrativas do continente americano, 18 são americanas e duas são empresas brasileiras: a Petrobras, e a Vale, sexta mais lucrativa, com um lucro de US$ 18,04 bilhões.

Xeque Mate

A situação Fiscal dos EUA finalmente chega aos radares:

  • Dívida pública dos EUA chega a 100% do PIB . Brasil, 60%. 
  • Déficit público dos EUA maior que 10% do PIB. Brasil: menor que 3% 
  • Receita de impostos nos EUA: 16% do PIB. Brasil: 38% 
  • Percentual da dívida nas mãos de estrangeiros: 47% . Brasil : menos de 15% 
  • Rolagem da dívida / despesas anuais: 50% nos EUA. Brasil < 35% 
  • Crescimento do PIB: EUA 2.5%aa vs Brasil 4.5% aa 
  • Déficit externo: EUA 3.5% do PIB vs Brasil 2.2% PIB 
  • Divida privada nos EUA : 300% do PIB. No Brasil menos de 70%. 
A dívida pública dos EUA passa de 120% do PIB, se incorporarmos dívidas dos estados e municípios, o pico atingido após segunda guerra. O Déficit fiscal passa dos 10%, acumulando quase 30% de déficit em 3 anos. Ele é o maior desde a Segunda Guerra Mundial e não deve vir abaixo de 3% nos próximos 5 anos. Receita do Governo Federal nunca passou de 20% do PIB. Hoje está em 16%. Logo, mesmo se a receita voltar aos 20%, déficit cai para 6%, o dobro do brasileiro. Gasto do governo é concentrado em defesa, saúde e pensões. Há espaço para aumentar arrecadação de impostos das empresas, pois representam apenas 12% da receita total hoje. Porém isto reduziria lucros e investimentos das empresas. Fica fácil assim dizer que situação fiscal dos EUA é séria. É tão grave como a situação Portuguesa. Porém os EUA tem vantagens: 
1. Imprimem sua própria moeda. BC americano tem comprado US$ 80 bi por mês em dívida do tesouro, ou seja, num ritmo de quase US$ 1 bi anual. Ajuda bem, pois BC imprime moeda e compra com esta moeda títulos do tesouro. É a chamada monetização da dívida;
2. US$ é moeda de reserva de valor usada pelos BC´s do resto do mundo. Estes ajudam comprando algumas centenas de bilhões de US$ e títulos por ano para evitar que suas moedas se valorizem, o que financia o governo dos EUA;
3. EUA tem os maiores Fundos e Bancos do mundo.

Porém a situação é instável:
A. Economia dos EUA cresce devagar e precisa do impulso fiscal para se sustentar. Em outras palavras, se o Governo cortar gastos, economia perde fôlego e pode entrar em recessão. Desemprego está em 8.5%;
B. Apesar da queda da demanda interna, os EUA não conseguem eliminar déficit externo. Se a economia aquecer, aumentam importações e déficit externo aumenta, aumentando dependência de financiamento externo;
C. FED não pode subir juro pois economia ainda não está andando por suas próprias pernas. Logo, ele não tem como evitar uma queda do valor do dólar através da alta dos juros.
D. Juro baixo dos EUA aumenta custo das commodities, desvalorizando o US$. Custo maior das commodities atua como imposto sobre o consumo americano. A receita deste imposto vai parar na mãos dos exportadores de commodities. Sobra assim menos grana para consumir e menos grana para pagar impostos nos EUA;
E. Endividamento privado é gigante. Chega a 300% do PIB. Não há espaço para aumentar consumo, e qualquer aumento de impostos reduz poupança dos indivíduos o que impede a queda do endividamento, retardando assim a retomada do crescimento sustentável e da expansão do crédito;
F. Há dezenas de trilhões de dólares de obrigações futuras previdenciárias e de seguro saúde não cobertas por fundos do governo. Logo, o problema só aumenta;
G. Apesar do status de moeda de reserva de valor, o dólar vem caindo no mundo todo, e criando perdas e riscos enormes aos BC´s do mundo emergente que acumulam reservas nesta moeda;
H. Não há consenso político para um ajuste fiscal. E não há lideranças políticas fortes para abraçarem tal agenda de ajustes.

Não haverá solução indolor:
* Se não for endereçada questão fiscal, há risco de um derretimento do dólar similar àquele ocorrido nas moedas asiáticas nos anos 90. Inflação dispara e dívida é resolvida pela queda do poder de compra do dólar. Isto seria dramático pois o US$ é de fato a moeda de referência mundial e o sistema financeiro americano é fundamental na intermediação do fluxo de capital no mundo todo. Poderíamos ter assim uma crise bastante séria.
* Se EUA fizerem ajuste fiscal rápido demais, aumentando impostos e cortando gastos rápido demais, a economia dos EUA afunda, entrando em recessão. Risco de quebra de bancos aumentaria e travaria todo sistema de crédito global, de novo.
* EUA fazem ajuste fiscal gradual, crescimento se reduz, porém não o suficiente para colocar país em recessão. Juros ficam baixos por muito tempo, dólar cai por lá, e déficit externo se reduz, e em 5 anos, EUA voltam ao normal.

Para agravar o quadro, as agências classificadoras de risco de crédito já avisaram que podem reduzir a nota dada aos títulos do tesouro americano.

quinta-feira, abril 14, 2011

Cápsula da Cultura

Dilemas

Inflação sobe. Petróleo sobe. Petrobrás quer aumentar preço da gasolina. Se gasolina subir, inflação sobe mais. Logo, Governo se mete numa empresa que tem acionistas privados e diz que ela não pode subir o preço da Gasolina. Inflação sobe. BC não quer subir juros para não atrair mais dólares. Aí aumenta custo do financiamento das pessoas físicas. Custo dos serviços sobe, pois há falta de mão de obra em vários setores. Não de gente disponível para trabalhar, mas sim de gente qualificada a desempenhar funções técnicas. E alimentos também sobem de preço pois preços sobem lá fora em dólar. O que BC faz? Deixa o dólar cair para evitar que preços externos contaminem inflação aqui. Há duas formas de se fazer escolhas: uma consciente, planejada, e comunicada em antemão a sociedade. Nenhum político faz isto. Outra maneira é ir escolhendo ao sabor dos acontecimentos. Parece que estamos adotando este  caminho. O custo disto é que vamos perdendo a consistência em nossas políticas públicasVeja a situação onde nos colocamos: temos que escolher entre ter inflação mais alta, ter dólar de graça, inadimplência da pessoa física ou o confisco de lucros de uma empresa de capital aberto? Tudo isto por que não entendemos que não dá para fazer tudo ao mesmo tempo, agora e já...

Oposição da oposição

Despertada do sono profundo em que se encontrava, a oposição reagiu de forma confusa às palavras de ordem do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que acha melhor esquecer o povão para investir na classe média, como se isso fosse uma grande novidade para os seus aliados. Desde que nasceu de uma costela do antigo MDB dominado por Orestes Quércia, o PSDB sempre foi um partido das classes médias, distanciado do movimento social, dos sindicatos e dos setores mais populares. A única diferença é que agora FHC propõe o uso da internet e de uma seleta equipe de blogueiros para conquistar o eleitorado. No manifesto O papel da oposição, que escreveu para a revista Interesse Nacional, FHC incomodou alguns líderes oposicionistas ao constatar que “enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os movimentos sociais ou o povão, isto é, sobre as massas carentes, e pouco informadas, falarão sozinhos”. Os tucanos, pelo jeito, continuam achando que Lula e Dilma só se elegeram graças aos pobres ignaros que não lêem jornal e recebem alguma ajuda do governo. Esquecem-se que FHC ganhou duas eleições presidenciais graças ao Plano Real, que beneficiou brasileiros de todas as classes sociais. Por mais que o sociólogo FHC possa ter razão na sua análise, esta afirmação incomodou até os seus mais fiéis seguidores na elite paulistana. “Ele pode até pensar isso, mas jamais escrever”, comentou comigo um grande empresário, antigo eleitor tucano, que não se conformava com o que chamou de “tremenda bola fora”. Com todo cuidado, líderes tucanos procuraram explicar o que FHC quis dizer, como José Serra. “O problema do PSDB e da oposição é de rumo, de clareza, de coerência. Como um todo, não se sabe o que o partido defende, nem de que lado está”. Pelo jeito, está surgindo a oposição da oposição. O sempre bem humorado jornalista Carlos Brickmann comentou logo que o problema da oposição não é encontrar um rumo. “Primeiro, é preciso encontrar a oposição”, sugeriu ele. O deputado Roberto Freire, até outro dia abrigado numa boquinha em conselhos municipais paulistanos, antes de o prefeito Gilberto Kassab resolver criar um novo partido, sentiu-se à vontade para corrigir o ex-presidente: “Não vejo na política quem abanone qualquer segmento da sociedade. Há 17 anos, ele foi o candidato que recebeu os votos dos setores pobres”. O eterno presidente do PPS só não se deu conta que os pobres de 17 anos atrás talvez possam agora ser encontrados justamente na nova classe média que FHC quer cortejar. Do ponto de vista numérico, o ex-presidente não deixa de ter sua razão: no governo Lula a classe C passou as classes D e E, tornando o Brasil, pela primeira vez, um país predominantemente de classe média. Para o presidente do PSDB e grande estrategista político Sergio Guerra, o ex-presidente foi mal interpretado, pois apenas “constatou que é mais fácil para a oposição se comunicar com a classe média do que com os beneficiários do Bolsa Família”. Ah, bom. Agora está tudo esclarecido. O problema, mais uma vez, seria só de comunicação. Basta, portanto, encontrar um novo marqueteiro, ou melhor um mágico. A tarefa do mágico não será simples: tanto os aliados DEM e PPS, como a dissidência kassabista do novo PSD, também se proclamam partidos de classe média. Deixar o “povão”, como diz FHC, todinho para o PT e seus aliados não parece ser muito recomendável para quem sonha em reconquistar o poder. “Isso é algo terrível, é uma espécie de renúncia à chegada à Presidência”, resmungou o senador Demóstenes Torres, do DEM.

terça-feira, abril 12, 2011

O Referendo da Desinformação


Não, essas coisas não acontecem no Brasil. A sociedade americana é que está doente. Aliás, como existem psicopatas nos Estados Unidos. E como eles têm paixão por armas de fogo”. Até a manhã da última quinta, nós pensávamos assim. Mesmo a presidente Dilma, quando soube da notícia, declarou, com a voz embargada, que “não era característica do País esse tipo de crime”. Nossa violência era fruto apenas da desigualdade social, e não de mentes psicóticasSó que isso nunca foi verdadeO Brasil, como qualquer outra sociedade, é também coalhado de psicopatas. Gente que mata no trânsito, no botequim, em casa e, desde a semana passada, também nas escolas. Com um detalhe: adquirir uma arma de fogo no Brasil é tão simples quanto comprar um pastel numa feira. Em 2002, logo depois de um massacre numa escola americana, o diretor Michael Moore rodou Tiros em Columbine, explorando essa patologia americana. Afinal, por que era tão fácil comprar armas nos Estados Unidos, onde revólveres eram vendidos até nos supermercados? E aquele filme reforçou a nossa convicção: eles são doentes; nós, não. Três anos depois, o Brasil teve a chance histórica de se desarmar. Um referendo colocou uma única questão diante do eleitor: a venda de armas de fogo deve ser proibida no País? Sim ou não? E o “não” venceu depois de uma ampla campanha de desinformação financiada por interesses privados. Uns diziam que só os bandidos teriam armas, como se os “homens de bem”, armados, pudessem fazer algo diante de criminosos. Outros afirmavam até que se tratava de uma iniciativa totalitária do governo Lula, que marchava rumo ao Chavismo. Em 2005, o Brasil comercializava 68 mil armas de fogo. No ano passado, foram quase 120 mil. “Ah, mas o assassino do Realengo deve ter comprado suas armas no mercado paralelo!”, dirão alguns. Pior ainda. Se ele adquiriu os revólveres no mercado oficial, é um escândalo. Se fez isso no paralelo, um escárnio. Mais um detalhe: nos Estados Unidos, a sociedade doente, que tem 311 milhões de habitantes, 15 mil pessoas foram assassinadas no ano passado. No Brasil, um país de 190 milhões de habitantes, onde se diz que essas coisas não aconteciam, 50 mil pessoas são mortas, por armas de fogo, a cada ano.

segunda-feira, abril 11, 2011

Valores

Eu fui ler outra vez o livro clássico de FHC, Dependência e Desenvolvimento na América Latina. E vi que Fernando Henrique Cardoso estava perfeitamente coerente. O que é a teoria da dependência? É uma teoria que vai se opor à teoria cepalina, ou isebiana, do imperialismo e do desenvolvimentismo, que defende como saída para o desenvolvimento uma união nacional, associando empresários, trabalhadores e governo, para fazer a revolução capitalista. O socialismo fica para depois. A teoria da dependência foi criada por André Gunther Frank, um notável marxista alemão que estudou muitos anos na Bélgica e que em 1965 publicou um pequeno artigo chamado “O desenvolvimento do subdesenvolvimento”, brilhante e radical. É a crítica à teoria da revolução capitalista, à teoria da aliança da esquerda com a burguesia. É a afirmação categórica de que não existia, nunca existiu e nunca existiria burguesia nacional na América Latina. Quando a burguesia nacional é compradora, entreguista, associada ao imperialismo, a única solução é fazer a revolução socialista. É bem louco, mas é lógico. Aí vieram o Fernando Henrique e o Enzo Faletto e disseram que havia alternativa, a dependência associada. Ou seja, as multinacionais é que seriam a fonte do desenvolvimento brasileiro, cresceríamos com poupança externa. Era a subordinação ao império. Claro que o império ficou maravilhado. O fato concreto é que no governo FHC o PSDB já caminhava para a direita muito claramente. Daí o PT ganhou a eleição e assumiu uma posição de centro-esquerda, tornou-se o partido social-democrata brasileiro e o PSDB, naturalmente, continuou sua marcha acelerada para a direita. Nas últimas eleições, ele foi o partido dos ricos. Isso, desde 2006. É a primeira vez na história do Brasil que nós temos eleições em que é absolutamente nítida a distinção entre a direita e a esquerda, ou seja, entre os pobres e a classe média e os ricos. E uma teoria dessa não me serve.

Cápsula da Cultura

Escassez e Potencial

Temos visto várias notícias sobre paralisações em obras do PAC em virtude de greves ou de ações de trabalhadores da construção civil.  Não se trata de movimentos estimulados ou coordenados por centrais sindicais. São manifestações espontâneas dos trabalhadores que reclamam das condições degradantes de trabalho e dos baixos salários. É impossível deixar de concordar com a maioria das reclamações dos trabalhadores deste setor, em particular nas grandes obras fora dos grandes centros. Há um enorme desrespeito por esta gente que durante muito tempo foi tratada com critérios que lembram um pouco os tratos dados aos escravos. Gente simples, que vem das regiões mais pobres do Norte e do Nordeste, sem educação e a procura de emprego, eles se deslocam milhares de quilômetros, para longe de suas famílias, para regiões inóspitas, sem estrutura nenhuma, sem lazer e com condições de alojamento, saúde, saneamento e lazer indignas em muitos casos. De acordo com Dieese mais de 170 mil trabalhadores do setor cruzaram os braços em Março, muitos em vários canteiros de obras do PAC. Não quero acusar as construtoras, o governo tampouco, nem culpar os sindicatos ou trabalhadores, porém tais  paralisações custam, pois há atrasos nas obras. E todos nós pagamos por isto. Quanto mais se adiam estes investimentos, mais devagar cresce nossa capacidade produtiva, o que reduz o ritmo de expansão da economia. Quanto mais se paga aos trabalhadores, quanto mais se gasta em provê-los de condições mais dignas de trabalho, mais caras ficam as obras, aumentando custo dos produtos e energia ali gerados. Mais caros ficam os imóveis. Mais inflação. Porém não há como dizer que tais reivindicações são injustas e que as empreiteiras não podem repassar tais custos aos contratantes de seu serviço, no caso, o Governo. Temos que aceitar isto. Contudo o que mais me intrigou nisto foi entender qual a razão destas manifestações neste momento. Temos um governo que apóia os trabalhadores, uma economia que cresce, sobram empregos no setor, não houve ação dos sindicatos. Então por que esta onda de greves agora? Bem, é muito simples: lei da oferta e da procura. No caso, oferta e procura de mão de obra. O desemprego no Brasil é de cerca de 6% da população ativa. No setor de construção é de apenas 3%. Em São Paulo tal desemprego é de 2%. O número de vagas disponíveis no setor cresce a mais de 15%aa. O rendimento médio de um trabalhador deste setor sobe a 11%aa, enquanto na indústria cresce a 1%aa. Com o boom imobiliário, projetos do PAC, Olimpíadas, Copa há uma demanda crescente por mão de obra deste setor. Tal mão de obra requer certa qualificação técnica em vários níveis. Pois é, esta gente hoje está em falta!  E como não temos escolas técnicas, a oferta de mão de obra fica muito restrita. Com pouca oferta e muita demanda, temos a combinação ideal para que os empregados adotem uma postura mais ativa e façam reivindicações justas por coisas que lhes foram negadas durante décadas por ter havido uma oferta abundante de mão de obra no setorUm desemprego de 3% neste setor indica que, na prática, não há gente disponível. Sempre há certo nível de desemprego residual em qualquer setor, pois pessoas estão mudando de empregos. Isto é muito comum neste setor, pois obras acabam e os trabalhadores ficam disponíveis até a próxima obra começar. Estes 3% são um nível de desemprego necessário e natural que deve representar este volume de mão de obra que fica temporariamente sem serviços entre uma obra e outra. Para se manter este ritmo acelerado de crescimento no setor vamos precisar de mais gente ou de mais produtividade. Logo, se o volume de trabalho continuar a subir no ritmo atual haverá um apagão da mão de obra para o setor. No curto prazo tal setor deve absorver mão de obra da indústria que sofre com a concorrência dos importados. Porém tal migração de mão de obra entre setores é complexa: as habilidades e aptidões dos indivíduos que estão na indústria são diferentes daquelas exigidas na construção civil. E não há uma política de treinamento de mão de obra no país que facilite esta migração. Uma alternativa é fazer como os americanos e permitir que trabalhadores de outros países da América Latina venham para cá e possam trabalhar na construção civil. Algo inédito não nossa história: importação de mão de obra. Enfim, os custos de mão de obra não vão cair tão cedo. E a capacidade de investirmos mais rápido era limitada pela falta de poupança para financiar os investimentos acaba de encontrar mais um obstáculo: falta de mão de obra. Esta limitação de mão de obra mostra que a taxa potencial de crescimento no setor deva ser bem mais baixa do que a taxa que temos experimentado. Quem diria: nossos peões de obra se tornaram um gargalo ao crescimento, como a falta de estradas, portos, aeroportos, poupança privada, escolas, etc. Ou aumentamos a produtividade no setor, com uso de novas técnicas e materiais,  para que possamos crescer mais sem usar tanta mão de obra, ou teremos sérios problemas de custos e de atrasos em obras.

quarta-feira, abril 06, 2011

Mitos levam a gastos equivocados

Como qualquer calouro de medicina aprende ao entrar na faculdade, para tratarmos uma doença, antes temos de diagnosticá-la corretamente. Tratando catapora como sarampo, as chances de sucesso caem bastante. Hoje, há um diagnóstico quase unânime de que o Brasil está passando por um processo de desindustrialização grave, causado pela valorização do real e seus efeitos nocivos sobre a competitividade nacional. Tanto o diagnóstico quanto sua suposta causa cambial estão equivocados. Nossa indústria vem batendo recordes. No ano passado, o crescimento da produção industrial, superior a 10%, foi o maior em 25 anos. O número de empregos criados no setor foi o mais elevado da história. Cresceu também o volume de investimentos. Nosso setor manufatureiro passou de oitavo a sexto maior do mundo, ultrapassando França e Reino Unido. Em 2000, nossa indústria era apenas a décima do mundo. Ficaram todos loucos, então? De jeito nenhum. Efeti­vamente, a participação dos produtos industrializados importados no mercado brasileiro está aumentando e nosso volume de exportações caindo. Hoje, excluindo-se veículos, ele é 25% menor do que há 3 anos. Além disso, o varejo cresceu mais do que a indústria. Entretanto, as razões dessa disparidade de desempenho são muito mais complexas e profundas do que a simples queda do dólarO volume de exportações brasileiras para os EUA, nosso principal destino externo para manufaturados, foi no ano passado 36% inferior ao período anterior à crise. Nossas exportações para Japão e Europa também ainda não retornaram aos patamares pré-crise. Reflexo de uma brutal contração de consumo por lá e forte expansão por aqui, levando nossa indústria e a deles a redirecionar produtos para o mercado brasileiro. Enquanto isso, nossas exportações para a China, o país que mais cresce no mundo e principal importador de nossas matérias-primas, aumentaram 77% desde a crise. Em resumo, menores exportações de industrializados para países ricos e maiores importações de lá não refletem nossa fragilidade, mas a delesComo a valorização da taxa de câmbio foi apontada como a causa das dificuldades da indústria, o governo vem adotando medidas para limitá-la. Uma delas vem sendo um colossal acúmulo de reservas internacionais, uma espécie de seguro contra crises, que nos últimos anos se multiplicaram por dez. Acontece que todo seguro tem um custo; no caso, a diferença entre a taxa de juros dos títulos brasileiros, cerca de 11% ao ano, e a taxa dos títulos americanos, próxima a 3%, multiplicada pelo tamanho das reservas, cerca de US$ 320 bilhões. Atualmente, a conta chega a mais de R$ 40 bilhões por anoNos últimos quatro anos, os investimentos públicos em infraestrutura cresceram mais de 50% em termos reais. Ainda assim, desde 2009, gastamos mais com a manutenção de nossas reservas do que com estradas, aeroportos, ferrovias e portos que tornariam o País mais competitivo. Além de investir mais, se gastasse menos com as reservas, o governo poderia reduzir impostos, estimulando nossa produção e consumoDiagnosticamos a doença errada e gastamos com o tratamento errado. Se estivesse na faculdade de medicina, nossa equipe econômica seria reprovada.

terça-feira, abril 05, 2011

Cápsula da Cultura

Imóveis

A festa continua: preços de imóveis continuam subindo. A FIPE divulga uma série recente de preços de imóveis em algumas cidades, série esta que mostra uma taxa elevada de valorização dos preços em Sampa.
Este gráfico mostra a variação média mensal do índice da FIPE para São Paulo, índice que você pode ver no siteDe 2008 para cá tais imóveis têm subido em média 1,8% am, ou seja, 24% aa. Nos últimos meses tal taxa tem superado os 2%, mostrando que o mercado continua aquecido apesar da alta de 90% ocorrida desde fevereiro de 2008 contra uma inflação de 18% no períodoInúmeros fatores justificam tal elevação:
A. Disponibilidade maior de crédito imobiliário, seja por maior capitalização das grandes incorporadoras que tiveram acesso a mercado de capitais, crescimento das operações de securitização e maior oferta por parte dos bancos;
B. Aumento da renda das famílias, com queda do desemprego;
C. Queda no estoque de terrenos disponíveis para incorporação nas áreas mais centrais e próximas a sistema de transporte coletivo;
D. Aumento nos custo da construção como materiais e mão de obra;
E. Queda nas taxas de juros; 
F. Demanda reprimida por décadas
Estes fatores combinados geram uma pressão compradora e limitações na oferta, o que eleva preços e custos. Até quando vai isto? É impossível afirmar! O que podemos dizer é que os fatores acima são estruturais e de difícil reversão. Porém alguns ajustes podem ocorrer mudando um pouco este cenárioA limitação de financiamento. O crédito imobiliário barato é aquele financiado pela SFH, cujos recursos vêm da Poupança. Com a elevação da Selic, a Poupança perde atratividade o que faz com que o crescimento de depósitos não acompanhe a demanda por financiamento. Isto pode estrangular a oferta de crédito no futuro, elevando seu custo, o que inviabilizaria taxas de crescimento da demanda como as que temos presenciado. O comprometimento da renda da classe média com dívida pode aumentar e limitar capacidade de financiamento para compra de imóveis, a preços crescentes. Aproveitamento de áreas da cidade que estão hoje  degradadas  que poderiam ser re-urbanizadas se políticas adequadas de zoneamento e de exploração imobiliária fossem adotadas, o que aumentaria oferta de imóveis em regiões com bom acesso a serviços de transporte coletivo. Eliminação da demanda reprimida por imóveis hoje atendida pelo programa Minha casa, Minha vida, que hoje gera uma enorme demanda por terrenos e recursos. Ações do BC no sentido de evitar uma bolha de preços no setor, da mesma forma que tem feito no mercado de crédito ao consumo. Os Chineses estão fazendo isto neste momento! Com o aumento do preço dos imóveis os preços dos aluguéis também sobem, criando mais um fator de pressão inflacionária, além de um enorme custo político. Enfim, são especulações. Contudo a velocidade da alta dos preços assusta: 17% acima da inflação não é sustentável em nenhum lugar do mundo. Enquanto nada disto acontece, os preços continuam subindo.

A República da Bósnia e o Império da FIFA

A Seleção de Futebol da Bósnia e seus clubes estão fora de todas as competições da FIFA e da UEFA. Restou-lhes, portanto, apenas e tão somente o campeonato doméstico e jogos amistosos. Que a FIFA tenha imposto sua mão pesada e arbitrária não me surpreende, mas que a UEFA tenha acompanhado a nave-mãe surpreeendeu-me, embora entenda. Prevaleceu a vontade dos burocratas. Não duvido que 2015 seja o pano de fundo desses movimentos, quando, comenta-se, Michel Platini, presidente da UEFA será candidato à sucessão que se previa ser de Blatter, mas que poderá ser de Bin Hammam. O que originou tal ato de extrema força? Dizem os estatutos da FIFA que o futebol de um país deve ter uma federação estruturada como eles determinam, o que inclui um comando único. Ora, a Bósnia-Herzegovina é uma república federal independente, membro pleno da ONU desde 1992 e vive uma situação interna terrível, da qual, nós brasileiros, não temos a mais remota ideia. A Bósnia nasceu em 1918, no final da I Grande Guerra, como o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, adotando o nome Iugoslávia em 1929. Deixou de existir como estado nacional em 1941, invadida pelas tropas nazistas, situação que perdurou até o final da II Grande Guerra, quando, sob a liderança do Marechal Josip Broz Tito, que comandou a resistência à ocupação nazista com seus guerrilheiros, os famosos partizans, foi recriada, como República Popular Federal da IugosláviaNum primeiro momento a Iugoslavia alinhou-se à União Soviética, mas a partir de 1948 liberou-se da tutela soviética e veio a tornar-se fundador do bloco dos “países não alinhados”. Com a morte de Stalin e o processo de desestalinizacao de Khruschev, voltou a alinhar-se à URSS, sempre dirigida com mão-de-ferro por Tito. A Iugoslávia era um modelo em pequena escala, guardadas as muitas diferenças, da própria União Soviética, pois era composta por nada menos que 6 repúblicas diferentes: Eslovênia, Sérvia, Croácia, Macedônia, Montenegro e Bósnia-Herzegovina. A divisão, porém, não terminava nisso: seus habitantes dividiam-se em 5 diferentes etnias, 4 idiomas, 3 grandes religiões e 2 alfabetosCom a implosão da URSS, seus satélites foram caindo um a um, com alguns deles dividindo-se, abandonando as velhas uniões forçadas e artificiais, como a Tchecoslováquia, que deu origem a dois países diferentes e a Iugoslávia, que dividiu-seTodo esse período foi marcado por guerras terríveis, em que os fatores étnicos e religiosos foram estopim e combustível, simultaneamente. Sobre isso, recomendo a todos que não acompanharam esse período e seus episódios trágicos, em plena Europa, que deem uma lida na própria internet. Há coisas que todo ser humano, por mais distante que esteja delas, precisa conhecerNa Bósnia a violência e a crueldade atingiram níveis tais que se torna difícil acreditar que tenham existido. Regiões tomadas por uma facção, passavam por um processo de “saneamento”, com a eliminação pura e simples de populações inteiras, por motivos étnicos ou religiosos ou ambos. Restaurada a paz, que só se mantém por conta da presença de forças das Nações Unidas em seu território, eleições foram realizadas e atingiu-se um certo grau de normalidade. Para conseguir um mínimo de governabilidade, com paz interna e a possibilidade de construir uma nação, o povo da Bósnia-Herzegovina montou um esquema de governo formado por 3 presidentes. Eles são eleitos por 4 anos e revezam-se no poder a cada 8 meses. Um é bósnio e muçulmano, outro é sérvio e cristão ortodoxo e o outro é croata e católico. Nesse caldeirão sobrevive o futebol. A Federação Bósnia tem 3 presidentes, tal como o país. Em nome da manutenção da paz, a FIFA condescendeu em aceitar a presidência tripartite até hoje. Agora não quer mais, quer um presidente único, exigido, pelo que sei, exclusivamente pelo apego dos burocratas às suas próprias regras e regulamentos. No que a FIFA, por sinal, é pródiga. Para as Nações Unidas a situação bósnia ainda é delicada. Pelo que sei, a mesma coisa pensam seus habitantes. A FIFA, porém, discorda e pune. Com a mesma desfaçatez e postura imperial com que impõe normas diferentes aos estádios brasileiros programados para a Copa. Por conta desses caprichos, projetos já aprovados são refeitos, orçamentos estouram e prazos são espremidos. A Bósnia-Herzegovina não curvou-se aos ditames imperiais e foi suspensa. O Brasil a tudo se curva e segue adiante com a festa da Copa. Cliquem aqui para matéria do GloboEsporte a respeito.

sexta-feira, abril 01, 2011

Costa do Marfim

A guerra na Líbia e as sublevações populares na Tunísia e no Egito deixaram em segundo plano as crises na África Subsaariana, e em particular na Costa do Marfim. Independente desde 1960, quando houve o grande movimento de descolonização francesa na África, a Costa do Marfim sempre manteve laços estreitos com a França, por obra e graça de seu primeiro presidente, Houphouet-Boigny. Na realidade, Houphouet-Boigny se manteve no posto, de maneira ditatorial, de 1960 até a sua morte, em 1993. Sua imbricação com os interesses políticos e econômicos franceses, que controlam a comercialização do cacau e do café, principal riqueza do país, tornou-se proverbial. Durante anos, o país foi próspero. Mas, a partir de meados dos anos 1980, a economia estagnou, devido à secas e à queda dos preços do café e do cacau, trazendo problemas sociais, motins militares e tensões étnicas e religiosas. As populações do Norte do país são majoritariamente muçulmanas, enquanto as do Sul são em geral cristãs. Tropas da ONU mantêm uma paz precária no país desde 2002. Presidente em exercício a partir do ano 2000, Laurent Gbagbo, cristão e com suas bases eleitorais no Sul, enfrentou Alassane Ouattara, muçulmano muito popular no Norte do país, nas presidenciais de setembro e outubro do ano passado. Conforme a comissão eleitoral independente da Costa do Marfim, Ouattara foi o vencedor das eleições. Apesar de tudo, Gbagbo não cedeu à presidência a Outtara, que também foi reconhecido como vencedor das eleições pela ONU, a União Europeia e os Estados Unidos. Seguiram-se os conflitos que mergulharam o país em enfrentamentos armados. Nesta semana, o Conselho de Segurança da ONU votou, por unanimidade, sanções contra Gbagbo e sua família, instando a “retirar-se imediatamente” da presidência. Nos últimos dias, as forças legalistas que apoiam Ouattara tomaram Yamoussoukro, capital constitucional do país, e acentuam o cerco à Abidjan, capital econômica, onde se encontra Gbagbo e seu estado-maior. O embate entre cristãos e muçulmanos dá uma dimensão internacional à crise na Costa do Marfim. O conjunto da população da África subsaariana compõe-se de 57% de cristãos e 29% de muçulmanos. Mas nos países acima da bacia do Congo, as proporções são mais próximas e as clivagens internas mais nítidas, como na Nigéria e no Sudão, onde surgiram conflitos sangrentos entre as duas comunidades.